AMARELO
- Regina Miranda
- 11 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de set. de 2024
Rotina de autocuidado, atividade terapêutica, pensamento positivo, ações sociais para se sentir útil e fazendo o bem. OK, tudo isso é muito bom. OK, tudo isso pode ajudar na saúde mental. Mas para onde foi seu sentimento destrutivo?

Quando chega setembro, a gente ouve muito falar em saúde mental e não faltam publicações com "dicas infalíveis". Desde indicações psicológicas sérias a paspalhadas coachs sem fundamento algum. Mas vamos lembrar o motivo da criação do setembro amarelo? Prevenção ao suic1dio. Não se trata de uma ansiedade leve ou momentânea. Não se trata de estar numa fase com baixas expectativas ou com alto nível de estresse por não estar bem sucedido no trabalho, apenas. Trata-se de casos graves, normalmente associados a depressão crônica. Então, falar para um su1cid4 potencial ir fazer crochê está fora de questão.
É claro que todas essas opções podem ajudar a manter a saúde mental de uma forma geral. Mas precisamos compreender que, embora elas sejam válidas para todos, são absolutamente insuficientes para alguns. Quando alguém pensa em finalizar a própria vida é porque está passando por uma dor tão profunda que lhe parece que a única saída é deixar de sentir qualquer coisa, custe o que custar. E, para essas pessoas, essas soluções terapêuticas podem se apresentar como uma válvula de escape que, a primeira vista, pode cair como uma luva, mas a longo prazo, pode ser até pior.
Sabe quando a gente tem uma dor de dente (ou qualquer outra) e segue apenas tomando analgésico, sem contudo de fato resolver o problema que está causando a dor? Pois é, acho que é por aí. O que quero dizer é que precisamos olhar para essa campanha com o devido respeito e seriedade a que ela se propõe. Não que seja inválido associar a manutenção da saúde mental a tantas opções de autocuidado a nosso alcance. Mas precisamos levar em consideração que não são soluções mágicas. Precisamos dar o devido peso ao fato de que muitas pessoas, por diferentes motivos, tiram a própria vida. Ao escolhermos "olhar para o lado" quanto a isso, voltando nosso olhar apenas para o "lado positivo", estamos de certo modo, negando a existência dessas pessoas. Como se bastasse elas executarem as atividades positivas para "virem para o lado bom da força". A invisibilização pode, inclusive, agravar alguns casos.
O que quero (também) dizer é que precisamos olhar para a dor. Encarar o abismo. E precisamos deixar que aqueles que sofrem olhem para suas dores, e as sintam. Volto à comparação anterior. Sem analgésicos, na cadeira do dentista, ele vem com aqueles aparelhos famigerados investigar dente por dente, para descobrir de onde vem a dor e, só então, ele pode tratar o problema. Talvez a gente esteja muito concentrado em tratar a dor, enquanto tenhamos que tratar o problema. Repito: é claro que podemos e devemos utilizar os mecanismos de que dispomos para aliviar nossas dores quando se tornam insuportáveis. Mas não a ponto de torná-las invisíveis, seja para os outros, seja para nós mesmos.
E afinal, no que se transforma a dor que escondemos? Volto (última vez, prometo) à analogia dentária. Se insistimos em negar o problema, tratando a dor paliativamente, o que nos resta por fim? Extração dentária. Quando a dor abafada, vem gritando avisar que o problema está, agora, grande demais para ser "varrido para debaixo do tapete", a única saída pode ser destruir a fonte da dor. Sente-se que é necessário exterminar, destruir aquilo que está problemático. A questão é: o que se pode destruir para acabar com nossas dores existenciais?




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