AS BRUXAS DE EASTWICK E OS HOMENS FEMINISTOS

Faça o que eu digo, mas não o que eu faço. Já ouviu essa? Outro dia revi o filme As bruxas de Eastwick. Nickolson é realmente muito bom para interpretar maníacos. Resumindo o enredo, Darryl é um personagem conjurado pelas bruxas. Ele vem para a pequena cidade de Eastwick com a missão única de atender aos desejos das três. Será que é isso mesmo? Jane, Alexandra e Sukie conjuraram um estrangeiro, desejando que fosse charmoso, romântico e com quem pudessem conversar. É pedir demais? Aparentemente sim, porque o combo veio com defeito.

Inicialmente, Darryl se mostra galante e admirador de mulheres fortes e talentosas. Ele afirma diversas vezes que são as mulheres que de fato são poderosas, gerando vida, que elas são inteligentes e muito mais capazes que os homens, que o casamento é uma armadilha para elas pois só os homens tiram vantagem dessa relação, enquanto as mulheres “são mortas [figurativamente] por eles que, depois de alguns anos reclamam estarem casados com mulheres mortas, mas que foram eles mesmos os responsáveis por essa morte”. Falas claramente críticas ao pensamento patriarcal e misógino saem da boca do personagem com total paixão, e aparente convicção. Mas no fim das contas, ao menor sinal de rejeição por parte delas, ele usa de seus poderes diabólicos [literalmente] para submeter as três às suas vontades. O típico comportamento abusador do homem machista.

Mas, se você parar o filme logo após ele ter falado o que (diz ele) pensa sobre as mulheres, há quem diga que ele é um homem feministo, devido aos esforços verbais na defesa das mulheres.

Está aí a grande diferença entre ser feminista e querer ser identificado como feminista. Outro dia vi algo que fez muito sentido: que há muita gente branca muito mais preocupada em se afirmar antirracista do que realmente ter uma ação efetivamente antirracista. Com os homens e o discurso feminista ocorre o mesmo. Muitos deles se apropriam de falas feministas (muitas vezes de forma bastante equivocada) as quais repetem como um mantra, mas têm muita dificuldade de realmente adotar uma postura antimachista. No filme, o personagem de Jack Nickolson se torna extremamente violento e abusivo com as três mulheres. Trata-se de uma fantasia e, portanto, elas de fato são bruxas e, por isso, conseguem se livrar dele através de magia maligna. No discurso, um homem progressista e defensor do feminismo. Nas ações, o típico machão, um garoto mimado que não suporta ser dispensado e lança mão de toda força violenta de que dispõe para tentar subjugar as mulheres e as obrigar a continuarem com ele.

Infelizmente, não são poucos os homens que se enquadram nessa descrição. Muitos deles de fato estão na busca da desconstrução, tentando assimilar a teoria feminista mas, nesse caminho, fazendo o bom e velho manexplaining ao falar de feminismo com mulheres, como se fossem experts. É exatamente isso que Darryl faz para seduzir as três mulheres. Há também aqueles que fazem esse “jogo duplo” de forma consciente, na intenção de, tal como o Lobo mau de Chapeuzinho, fechar o cerco e dominar a mulher.

Por óbvio, meu diálogo nesse texto é com o primeiro grupo, daqueles que repetem falas feministas de forma inadvertida, tentando ser de fato seres desconstruídos, mas não sabem traduzir (ainda) esse discurso em ação antimachista. Para esses a dica segue: antes e muito mais que expressar seu “feminismo” com falas, o façam com escuta. Ouvir o que as mulheres estão dizendo ser problemático e buscar honestamente a mudança é o que, de fato, os faz aliados do feminismo, pois o feminismo é um movimento social em que, por óbvio, as mulheres é que devem ter o protagonismo. E é um movimento que não busca a teoria por si só, mas faz uso dela para operar transformações reais e palpáveis. Seja, portanto, essa mudança.