Anora, Substância e Ainda estou Aqui. Quem valida o que “vale a pena ver”?
- Regina Miranda
- 4 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de mar.
Se Mikey é a nova Gwynwth ou não, é questão de opinião. Mas esse ano, as mulheres, essas reais, fizeram o Oscar. Uma mulher que não aceita a idade, uma mulher que é profissional do sexo e uma mulher que perde o marido violentamente. Três personagens que trazem à tona apenas três dos múltiplos aspectos dos desafios que as mulheres enfrentam diariamente. E eles são muitos mais, infelizmente.
A premiação da jovem Mikey trouxe uma avalanche de críticas, já que as duas outras mulheres a disputar o prêmio são atrizes consagradas, de longa carreira. Ademais, a temática dos filmes em que atuaram, aos olhos dos “críticos”, são bem mais relevantes. Eu ainda não assisti Anora, mas essa crítica específica (li hoje que Enora é um “filme bobo de sessão da tarde”) me fez pensar no quanto, ainda, os problemas sociais enfrentados por tantas de nós são menosprezados. A vida das chamadas “mulheres de vida fácil”, então, é bobagem?
É claro que eu queria que nossa Fernandinha trouxesse esse prêmio para terras tupiniquins. E certamente ela mereceu. Como disse, ainda não vi Anora e não faço ideia se a premiação foi justa. Pelo histórico da Academia, a possibilidade de não ser é enorme. Novidade? Não. Mas me incomodou demais que as pessoas estejam fazendo uma crítica tão rasa sobre a validade da temática do filme.
Por outro lado, faço esse balanço para lembrar que nem tudo foi perdido: melhor filme e melhor filme estrangeiro premiados foram duas obras que retratam algumas das facetas da vida diária de mulheres. Sim, diária, porque homens retirados de casa a força por arbitrariedade do Estado, nas favelas acontece todo dia. Mulheres relegadas à degradação de “vender o corpo”, acontece todo dia. E esses filmes, na disputa, foram seguidos de perto pelo icônico e polêmico A substância, que trata do corpo da mulher como esse território de disputa de poder que é o lugar que ele, de fato, ocupa há tanto tempo. Uma disputa que acontece todo dia.
Então, o Oscar desse ano girou em torno de coisas sobre as quais tentamos falar todo dia, problemas para os quais tentamos chamar atenção do mundo. E o mundo olhou para isso. A questão, agora, é: o que faremos com isso? De minha parte, não pretendo permitir que o debate escorregue para uma mesquinharia, afirmando que o campeão de melhor filme seja algo “bobo, de sessão da tarde”, porque não trata de um tema tão sério quanto a Ditadura militar. Não me entendam mal, a Ditadura é assunto, sim, para ecoar e nunca ser esquecido, e nunca se repetir. Mas a injustiça da prostituição a que se encerram tantas mulheres todos os dias, e que culmina em violência com tanta frequência, desculpe-me caro crítico de cinema de araque, é tema tão importante quanto.
Se Ainda estamos aqui, todos os dias, repetindo que a ditadura da beleza é uma violência, que a ação arbitrária da polícia é uma violência (parênteses para apenas lembrar de como acabou a festa do Oscar no Cine Passeio), que regimes autoritários fazem muitas vítimas e que o lugar das mulheres nesse e em quaisquer outros momentos de crise é, sempre, de total desvantagem, se ainda estamos aqui falando disso, não é porque gostamos dos temas, porque os achamos “dignos de Oscar”. É porque nossas vidas estão em risco diariamente por conta de todos esses tipos de violência.





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