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DIÁRIO DIA 10: BEM VIVER

  • Foto do escritor: Regina Miranda
    Regina Miranda
  • 30 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Imagem e ação é um desses jogos de tabuleiro que ficou super popular. É possível jogar mesmo sem tabuleiro. Outro dia, nessas horas de quarentena em frente à tevê, num episódio de The bing bang theory, a disputa do jogo entre mulheres e homens foi gatilho para o enorme senso de competitividade e descabida noção de orgulho de Sheldon levarem-no a desafios ridículos com Penny. Perdendo um desafio após o outro, ele acaba literalmente no chão. O jogo pressupõe um tipo de comunicação não-verbal entre os participantes do mesmo time. Através de desenhos ou mímicas, muitas vezes é necessário despertar o senso de empatia e o trabalho em equipe, em que cada um precisa de fato estar muito atento ao que o desenhista ou mímico tenta representar. Mas sociabilidade e trabalho em equipe não são o forte de Sheldon. Portanto seu time fracassa. Ao desenhar ou tentar entender o desenho do parceiro, ele considera única e exclusivamente a sua visão de mundo, a sua própria perspectiva e seus próprios códigos imagéticos pessoais. Para Sheldon o foco se concentrava em ganhar, não em interagir com os amigos. Sua atenção estava toda voltada a se sentir melhor. Melhor que os outros que, na cabeça dele, têm, todos, menos capacidade intelectual que ele e, portanto, devem sempre perder. Essa postura lembra alguém?


Estou embarcada atualmente na leitura de Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais*. Na introdução dessa reunião de textos que trazem o feminismo numa perspectiva decolonial, Heloísa Buarque de Holanda nos conta da noção de bem-viver, “termo advindo da expressão quéchua suma kawsay”, proposta por Maria da Graça: “o ‘bem viver’ se contrapõe ao ‘viver melhor’ publicizado pela sociedade de consumo e restrito à minoria da população”. Neste momento do país e do mundo, principalmente o mundo ocidental e capitalista, já são muitas as vozes que vêm se perguntando sobre essa publicização da qualidade de vida individual. É, obviamente, muito importante para todos e cada um a busca pela melhoria da qualidade de vida. E isso, em si, não tem o menor problema. O problema reside em quando em nome desta busca, negligenciamos, enquanto sociedade, o bem-viver da maioria. Quando a úncia perspectiva que importa é a nossa, agimos como Sheldon (que, de agora em diante, chamaremos apenas de capital, por pura escolha estética). Quando nos comportamos como o “capital”, tendemos a ver a coisa, a “figura” de um único ponto de vista e perspectiva: o nosso. Então não somos capazes de enxergar, por exemplo que, se o poder de consumo de uma grande massa de pessoas for reduzido a zero após a pandemia, a crise econômica se estenderá por mais tempo e tende a piorar, ainda que tenha sido abrandada agora; que se milhares, milhões de pessoas morrerem, entre eles pais e mães de família, crianças e, sim, idosos, então não saímos ganhando nada pelo simples fato de “manter a economia” o quanto possível. Por que a figura de um país não se trata apenas de sua realidade econômica. A figura de um país é feita de seu povo. Se escolhermos sacrificar VIDAS em nome do sucesso do capital, acabaremos derrotados e, pior, acabados, no chão, tal como o “capital”/ Sheldon da série televisiva.


O bem-viver trata do que é o melhor (ou, nesse caso extremo o “menos pior”) para a maioria. Para o maior número possível de pessoas. E, certamente, ser jogado nos braços da morte não é o melhor para ninguém. Portanto qualquer política que use da vida de de SERES HUMANOS como moeda de troca (como nos sacrifícios hereges que tanto os cristãos abominam) é uma política fadada ao fracasso. Pois não há como comemorar a manutenção da economia pisando em corpos de PESSOAS que poderiam ter sido salvas. O viver melhor para quem terá garantida sua renda, seu capital, ao fim dessa crise sem precedentes na história não pode estar acima do bem viver da maioria. A minha qualidade de vida não pode sobrepujar a vida de alguém. A sua necessidade individual de, por exemplo, ter uma máscara N95 em casa “para o caso” de precisar não é mais importante que a necessidade dos profissionais de saúde de terem todas as máscaras deste modelo disponíveis no mundo, já que eles podem salvar centenas de vidas, desde que estejam vivos e bem. Trata-se de entender a figura como um todo, a coletividade, que é mais importante que a melhoria de qualidade de vida individual de quem me lê.


CALMAVAIPASSAR


A dica de hoje então, é o jogo imagem e ação. Fizemos em casa. Cada um na sua casa, é claro, através do skype. Para facilitar, optamos pela mímica. Você precisa de listas de palavras de diferentes categorias. Por exemplo animais, filmes, músicas. Sorteia-se (ou escolhe-se) uma palavra para cada rodada do jogo. Você faz gestos que possam, de algum modo, significar a palavra sorteada e os seus companheiros de time têm que adivinhar (ou ler seus gestos) o que você representa. Pode-se escolher cada vez um participante diferente para fazer a mímica (ou desenho) ou pode-se definir uma pessoa por time para fazer a representação. Mas lembre-se: você precisa ver o mundo pela perspectiva dos parceiros, para poder entender o que representa para aquela pessoa aquela ação/gesto ou aquela imagem.


*HOLLANDA, Heloisa Buarque de. ORG. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Ed Bazar do Tempo, 2020.

 
 
 

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