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DIÁRIO DIA 2: COLO DE MÃE

  • Foto do escritor: Regina Miranda
    Regina Miranda
  • 22 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 30 de mar. de 2020

Estar junto tem um formato e um sentido, às vezes, diferente para cada um. Aqueles que são mais sinestésicos estão tendo mais dificuldade neste momento. Mas todos nós sentimos falta de tocar alguém, em algum momento, em algum nível. Para mim, o mais difícil é não poder estar tão perto da filha e do marido. Beijar e abraçar faz parte da rotina de uma família. A gente demonstra afeto desta forma. É algo inato nos seres humanos. Mas podemos encontrar outras formas de curtir aqueles que amamos, de estarmos juntos e demonstrar o quanto nos gostamos.

Quando minha filha está com medo do escuro, com medo de dormir sozinha, tenho estratégias. Preciso ter. Quando era menor, o colo parecia ser imprescindível. Com o tempo e a maturidade dela, tornou-se possível estar presente mesmo sem o colo. Dar colo sem o toque físico. “Um colinho é sempre bom”.* Esse trecho tem um “quê” de sabor de infância. Sempre que leio essa estória para a filha, retorno aos tempos do COLINHO da mamãe. Dizem que ele é capaz de curar. Quando finalizo a leitura é quase impossível segurar a vontade de colocá-la no meu colo. Mas de minha mãe, longe quilômetros de distância, o colo já não é possível há muito tempo. Mas quando puxo pela memória a última vez que senti esse conforto e sensação de cura interna do colinho de mamãe, não é de um colo físico que lembro. E, sim, do colo de ESTAR lá.

O colo de estar lá é aquele suporte que sentimos quando temos aquele problema entalado na garganta, com o qual só conseguimos lidar depois de contar pra mãe... “conta tudo pra sua mãe Quicoooo” (dispensa citações). Quando contamos o que houve durante o dia para as pessoas mais próximas, parece que aquilo se presentifica e que conseguimos lidar melhor com o impacto que está tendo dentro da gente. Por que falamos? Conversamos? Usamos a linguagem verbal? Diferente do que já se acreditou há tempos atrás, não é para comunicar, informar. Falamos uns com os outros para socializar. Para nos conectar com os outros seres humanos.

Em tribos indígenas (ou melhor etnias indígenas), há uma tradição milenar que é mantida com o intuito de manter o vínculo entre todos os indivíduos da comunidade. Ela serve para que cada um se expresse e encontre eco nos “irmãos” da mesma etnia. Para manter a identidade e a cultura do povo e para tratar dos problemas da mente e do “espírito” de cada um. É o hábito de se reunir em torno da fogueira e contar estórias. Cada um tem sua vez de falar, e isso tem que ser totalmente respeitado. A interrupção da fala de alguém é vista como grande desrespeito. As estórias contadas em torno da fogueira, muitas vezes, tem função formativa, educativa. Mas, acima de tudo, elas representam o compromisso de união entre as pessoas. Elas são uma forma de demonstrar afeto, cuidado, conexão com todos em torno da fogueira.

Com minha filha, trocar o colo da hora de dormir pela estória funcionou perfeitamente. A hora da estória é um momento de conexão, carinho, de estreitar vínculos, de ouvir o que ela pensa sobre a estória que é, de certo modo, o que ela pensa sobre o mundo, sobre si mesma, sobre mim. A forma como ela enxerga o coelho da estória de Alice (o que é o coelho branco que a a menina persegue, incansavelmente, para você?) tem um significado e uma importância dentro daquilo que define quem ela é e em que momento de sua caminhada ela está. Quando contamos uma estória, tocamos muito mais do que o corpo de quem ouve. Tocamos o profundo ser. O espírito, alma, coração, seja como for que você chame aquele íntimo que cada um possui. Aquela porção de nós que constitui quem realmente somos e que, às vezes, nem nós mesmos conhecemos por completo. Gosto de observar a reação dela a cada trecho da estória lida ou contada. Medo, alegria, tristeza. Quando ela descobre a aventura e embarca junto, é ótimo sentir que estou mexendo com esse cantinho tão íntimo dela, que estou turvando o fundo do lago do ego e chegando perto do verdadeiro ser, do ID, se quiserem chamar assim. Às vezes, uma conversa franca com um amigo cura mais do que um abraço a dor que temos lá dentro. Uma piada pode remover o peso que está esmagando a cada um que se preocupa com a situação que vivemos.


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CALMAVAIPASSAR (dica de hoje): O BARDO É VOCÊ!

Então a dica de hoje é contar estórias e piadas. Leve alguém para um mundo distante qualquer. Leia ou conte uma estória, para alguém ou para um grupo de pessoas. Guie alguém pela peícula imaginária que podemos projetar ao ouvir uma estória. Via fone, watsap ou, mesmo, pela janela de casa, para o vizinho ao lado. Para deixar mais animado, podemos organizar concursos de estórias e piadas. Quem for o melhor bardo trovador ou piadista, pode levar um brinde quando tivermos terminado a travessia dessa ponte de isolamento. Pago pelos companheiros de viagem estoriesca, é claro!

*Barbieri, Stela e Vilela, Fernando. Quero colo!. Ed. SM, 2016.

 
 
 

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