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  • Foto do escritorRegina Miranda

OS SPIN-OFFS E O PERDÃO

Empatia é a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. Mas, convenhamos! Às vezes é um desafio e tanto. Como aquela pessoa, do trabalho ou familiar, que tem um comportamento que a gente considerada desprezível, cruel, totalmente inadequado, inclusive conosco. Como nos colocarmos no lugar de um fascista, por exemplo? Exercer a empatia pode ser realmente muito difícil.

Ano passado estive na FLIMO (Feira Literária de Morretes, cidade no Paraná) ouvindo a talentosa Micheliny Verunschk. Ela contava como sempre faz questão de imaginar uma história pregressa para seus personagens, mesmo que essa história não apareça nos livros, para humanizar mais cada um deles, mesmo aqueles que (vilões?) exerçam um papel reprovável na trama. Em meus livros, eu também tenho essa preocupação. Trazer personagens caricatos, vilões ou mocinhos, pode até funcionar, mas me parece contribuir para um certo preconceito que opera na sociedade. Afinal, o quanto o racismo (que enxerga pessoas pretas como bandidos de antemão) não se construiu em caricaturas literárias de negros sempre aparecendo como criminosos!?

Nesse sentido, imaginar uma história de vida mesmo para aqueles personagens que são, de fato, antagonistas cruéis, é uma forma de evitar a repetição dessa armadilha maniqueísta, através da humanização dessas personagens. Muitas vezes essa visão da história do “bandido” está no próprio enredo. Mas, e quando não está? É possível ter empatia com a Malévola da história da Bela adormecida? Ou com o Capitão Gancho?

Nos últimos anos, a produção de Spin-offs tem se mostrado rentável para os produtores cinematográficos. Temos filmes como Malévola, que conta o “outro lado” desse conto de fadas. E, no fim, a gente não acaba perdoando a personagem que lançou um feitiço na doce Aurora? Trata-se de subverter um costume (que também foi bem rentável) do cinema de lidar, sempre, com a dualidade “bem X mal”. Afinal, de maneira geral, as pessoas não são o tempo todo “luz”, tampouco apenas “sombra”.  Em busca de uma literatura mais humana, então, Onça Verunschk não é a única escritora atual a mostrar personagens mais profundos e humanos, mesmo quando esses estão cumprindo papéis absolutamente reprováveis em suas histórias. Para quem leu O som do rugido da onça, é fácil entender o quão desafiante deve ser “pintar” um quadro que não caia nessa armadilha com os cientistas sequestradores de crianças indígenas.

Em Suíte Tóquio, Giovana Madalosso também lida muito bem com essas personagens humanas, que têm suas qualidades e dificuldades. E, no fim, o leitor não consegue decidir qual das mulheres estava mais “certa” ou “errada”. Vemos pessoas de verdade, de “carne e osso”, e problemas reais e dúvidas, inseguranças, dificuldades. Pessoas que erram quando pensam estar acertando. Mulheres que, envoltas em problemas que atingem muitas de nós no mundo real, têm de lidar com as próprias frustrações e encontrar formas de serem melhores, tanto para os outros, quanto para si mesmas.

É nesse contexto, em que as pessoas parecem estar acordando para o fato de que ninguém é perfeito e buscar perfeição é uma violência contra si mesmo, que os Spin-offs aparecem como possibilidade de perdão. Se somos capazes de compreender Malévola, ou a Rainha/Madrasta Malvada da história de Branca de Neve (cuja história e redenção aparecem no seriado Era uma vez) e a enfermeira Mildred Ratched (personagem de Um estranho no ninho cujo Spin-off é uma séria chamada Ratched), e até possamos perdoar alguns desses atos de fato violentos e reprováveis, então talvez a gente também consiga perdoar a nós mesmos. Talvez sejamos capazes de nos acolher, compreender e perdoar, e seguir em frente como todos esses personagens fazem em seus Spin-offs.


Serviço:

Verunschk, Micheliny. O som do rugido da onça. Companhia das Letras (Vencedor Jabuti 2022).

Madalosso, Giovana. Suíte Tóquio. Todavia (finalista do Jabuti 2021).

Um estranho no ninho, filme de Miloš Forman. 1976. Vencedor de vários Oscar.

Ratched, série de Evan Romansky, 2020.




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