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  • Foto do escritorRegina Miranda

RESENHA DO TEXTO SER MULHER NA ROÇA DE BRANCOS. A VIVÊNCIA INDÍGINA

De Brulina Baniwa, presente no livro Vivências diversas. Uma coletânea de indígenas mulheres. Hucitec Ediutora. P. 105-117.

 

“Da invisibilização a ser pesquisadora é um ato político”, assim começa o relato de Braulina, nos contando sobre sua ação de “romper fronteiras entre os distantes”. Inicia contanto sobre sua ancestralidade, sua ascendência, e lembra que povo Baniwa é a designação utilizada pelos não indígenas, já que eles se autodenominam mezeniakonai.

É possível observar, como em vários textos e demais expressões indígenas, o quanto a questão de território lhes é cara. O local de nascimento, de moradia e a noção de pertencimento e identidade andam juntos, mesmo quando se vai “para fora”, como é o caso dela. Essa relação com a Terra, com o lugar onde se vive, ela traz: “de onde sou, segundo o meu tio ‘o universo tem seu dono que chamamos de Heeko’. Nós estamos aqui para cuidar e usufruir o que ele tem de melhor para nos oferecer”. O cuidar e o usufruir, portanto, se confundem, são aspectos de um mesmo propósito que é, inclusive, espiritual.

Ela conta sobre o mito de origem de seu povo. Além de Heeko (o dono), há Napirikoli (o avô e conhecedor dos saberes) e Amaro (avó, guerreira que gerou o primeiro filho). As mulheres eram donas do conhecimento, mas uma relação entre Napirikoli e Amaro lhes fez perder o acesso a esse saber. Pode-se ver semelhança com o mito de Adão e Eva, mas aqui quem perde o poder sobre o conhecimento é a mulher.

Sobre a língua, o Baniwa é uma das três cooficiais do município em que vivia Braulina. O acesso à escrita e à educação formal se colocam, nesse relato, como seu caminho. Ela conta que revivendo sua história de vida pela escrita, se faz surgir e ressurgir as indagações que levam à reivindicação por direitos indígenas.


INFÂNCIA NA COMUNIDADE

Cresceu na região do Rio Negro, próximo à tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Venezuela), no Amazonas. Por conta de um episódio de malária (aos quatro anos), a mãe, com medo, não queria que ela frequentasse a escola, mas foi convencida pelos filhos mais velhos (Braulina é a oitava filha) a deixar que a menina fosse. Irmãos e primos foram seus primeiros professores, na “escola” da comunidade. Somente após três anos o prefeito providenciou estrutura de escola para as crianças no local.


ESCOLAS NÃO INDÍGENAS

Chegou à cidade com treze anos para continuar os estudos e esse foi o primeiro contato com a discriminação e o racismo, por não falar português. Por dois anos teve essa grande dificuldade de comunicação, assim como a estrutura organizacional da escola regular. Sabe-se que a escola, no modelo que a temos, constitui uma barreira, muitas vezes. Não apenas a indígenas, mas a todos que não se ajustam aos padrões elencados como parâmetro de aluno ideal. Mais ainda quando se tem, somado a isso, a barreira da língua. Ela conta que conseguiu dar continuidade aos estudos longe da família graças aos empregos na cidade, com trabalho doméstico e em cozinhas, onde também foi aprendendo a língua portuguesa.

Algo que tem aparecido nos contatos deste ano, do Clube de Leitura Feminista (detalhes abaixo) com as mulheres indígenas, é a diferença na forma de organizar o tempo. Braulina conta como esses horários regrados diferem da rotina indígena de organização das atividades. Fica a reflexão de que, na relação com os povos indígenas é preciso levar em conta essa barreira prática. Ela conta:

Nas férias sempre voltava para a comunidade junto da minha família, que eram os momentos mais alegres da vida, a vida urbana requer horários regrados, as atividades realizadas são conforme os dias da semana. (p. 110)

Em paralelo à escola, ela começou a integrar o movimento político de defesa da causa indígena.


SER MULHER NO MOVIMENTO INDIGENA

Braulina conta que na comunidade indígena, sua participação era coadjuvante, junto com o pai, irmãos e primos. Segundo seu pai, indígena muito ativo nas causas em defesa da comunidade, “mulheres não são como homens, elas podem menstruar na viagem, podem atrapalhar as conversas”.

Ela também conta sobre a discriminação sofrida por parte de outros povos indígenas da região, por conta de os Baniwa falarem a própria língua original. Eram chamados por apelidos como “içaneiros” ou “índios”.

Nesse contexto escolar urbano, coordenou a realização da assembleia eletiva para reativar o Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEIAM), onde foi eleita vice-presidente. Trouxeram assuntos como cotas na universidade estadual do Amazonas. A manutenção se dava por meio do artesanato. Participou da Fundação Indígena no estado do Amazonas, trabalhando com a FUNAI em ações de combate ao alcoolismo e uso de drogas pelos jovens indígenas no contexto urbano.

Retornou à comunidade indígena por questões pessoais e pela perda de um irmão. Lá trabalhou no projeto arte Baniwa e de manejo da pesca, bem como em diálogo com outras comunidades próximas, falando sobre comercialização e direitos das mulheres indígenas. Ampliou sua ação em diálogo com outros estados e fazendo parte de articulações importantes como a reestruturação do FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), inclusive substituindo a diretoria executiva dessa instituição. Também coordenou a criação do site da instituição e foi monitora do GESAC, levando internet a locais de difícil acesso, e escreveu projeto de cinema aprovado pela FUNAI, onde ela conta que está sua paixão: o audiovisual. Enquanto isso, na política partidária, ela conta:

acompanhei e coordenei a campanha municipal que elegeu a primeira chapa mais indígena do Brasil, prefeito e vice indígenas no município [São Gabriel da Cachoeira], experiência boa e ruim ao mesmo tempo, a burocracia da máquina do sistema decepcionou muitas pessoas e saí da política e resolvi fazer vestibular novamente, tendo passado para Engenharia Civil e Ciência da Computação, cursando até o quinto semestre. (p.114)


SER MULHER NA UNIVERSIDADE E POLÍTICA ESTUDANTIL

Aqui ela conta de sua decepção por conta da grande carga de leitura, de clássicos da antropologia e do racismo contra povos indígenas. Nesse contexto foi eleita secretária da Associação dos Estudantes. Sofria com a discriminação por ser mãe na sala de aula e com a ignorância dos professores que pensavam que ela saberia sobre a cultura de todos os povos indígenas.

Voltou a participar ativamente da luta por direitos coletivos, em especial dos indígenas. Ela destaca que é “importante ter pessoas nos lugares de fala e voz para construir e debater políticas direcionadas a cada frente social de forma a incluir todos no processo.” (p.117) Pensando nisso tudo, ela funda o ABIA (rede de antropólogos indígenas).

Braulina finaliza refletindo:

todas as narrativas de história são parte do processo sobre demarcar espaços nos lugares nunca ocupados pelos nossos ancestrais. Dito isso, nós indígenas mulheres estamos presentes cada vez mais, como porta-vozes de muitas outras mulheres, visibilizando ciências indígenas pelas vozes diversas (...) somos a totalidade de um povo, mas somos mulheres, somos a continuação e a força de um povo. (p. 117)




Leitura de 2023 do Clube de Leitura feminista @leitorasfeministacuritiba, o livro Vivências Diversas traz, além deste texto de Braulina, contribuições de várais outras mulheres indígenas. A obra foi organizada por Braulina Baniwa, Jozileia Laingang e Lucinha Tremembé.

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